O Comité de Tradução e Direitos Linguísticos (CTDL) do PEN
Internacional foi solicitado a comentar o Acordo entre os Estados de língua
portuguesa empenhados num programa de estandardização ortográfica (Acordo
Ortográfico de 1990/AO 1990). Esse pedido para examinar as alterações propostas
foi iniciado pelo Centro português do PEN, cujos membros se opõem
maioritariamente à estandardização internacional proposta. O encontro do CTDL
em Barcelona (4-6 de Junho de 2012) expressou uma grande simpatia pela posição do
PEN português e pediu que o Acordo internacional fosse examinado. Deve ser dito
que muitos outros escritores, figuras públicas e linguistas questionam
igualmente se as tentativas de aproximação de um Português estandardizado e
universal serão uma boa ideia.
A história de tais tentativas no mundo lusófono apenas
demonstrou quão difícil é tal questão. Em anexo com tentativas anteriores é
adicionado no final do texto. Mais do que uma vez essas tentativas fracassaram.
Em comparação com a história recente de outras línguas
internacionais, pode ver-se também que a ideia de estandardização
além-fronteiras tem sido rejeitada mais vezes do que aceite.
Aparentemente, as duas forças condutoras por detrás do plano
de estandardização do Português são de natureza administrativa e comercial. Se
assim é, trata-se de fracos pontos de partida que podem prejudicar seriamente a
língua portuguesa. Uma língua não é, primariamente, um instrumento
administrativo ou comercial. Estes aspectos equivalem a actividades
superficiais e utilitárias que requerem o que poderia chamar-se dialectos
simplificados, tangenciais à língua viva. Uma língua viva favorece a
criatividade, a imaginação, a iniciativa científica; ela adapta-se ao mundo
real no qual vivem pessoas com as suas múltiplas diferenças e particularidades.
Tentar centrar uma língua em prioridades administrativas
e/ou comerciais é enfraquecê-la ao atacar a sua complexidade e criatividade
inata a fim de promover métodos burocráticos de natureza pública e privada.
No que diz respeito aos precedentes históricos, não é claro
que essa iniciativa seja o resultado de uma reflexão clara sobre experiências
ocorridas noutros lugares. Por exemplo, é amplamente aceite o facto de a
tentativa centralizante, ao longo de vários séculos, para criar e manter um
Francês universal, como foi levada a cabo em Paris, teve o efeito de alienar, a
longo prazo, as populações em relação a essa língua sempre que era oferecida
uma alternativa através de outras línguas mais abertas à criatividade local. Um
resultado negativo prático foi um efeito de refrear a criação natural de
vocabulário, seguido de uma retracção do vocabulário. A força motriz da língua
francesa hoje em dia, com origem em todas as suas bases pelo mundo fora, é de
tender para uma inclusão das diferenças na língua. O resultado é a
possibilidade crescente de uma atmosfera nova e muito positiva em torno do
Francês, por exemplo em África.
No que toca ao Inglês, houve tentativas equivalentes para
uma aproximação universal no tempo do Império Britânico. Contudo, a força das
regiões anglófonas (situação similar à do Português) levou a que tais regras
tivessem sido quebradas tanto internacional como naturalmente. A força do
Inglês actual é amplamente atribuída à sua abertura face às diferenças – a
diferentes gramáticas, ortografias, palavras e, na realidade, significados. Uma
das características mais positivas de qualquer língua internacional é o facto
de palavras, ortografias, gramática, frases e sotaques assumem significados
assaz diferentes como resultado de experiências locais ou regionais. Estas
diferenças fazem frequentemente o seu caminho para além das fronteiras e são
absorvidas por outras regiões anglófonas. É a natureza competitiva,
independente e divergente das regiões inglesas que se tornou na marca
distintiva da sua força – a sua criatividade quer na ciência, na literatura, no
negócio ou, de facto, nas ideias. Existem tentativas constantes de ‘normalizar’
ou ‘centralizar’, tais como a norma estilística de Chicago. Contudo, tais
tentativas, mais do que qualquer outra coisa, vão ao encontro das forças reais
das línguas.
Exactamente o mesmo argumento poderia ser apontado para
explicar a força crescente do espanhol como língua internacional. São
precisamente as diferenças locais, nacionais e hemisféricas dentro da língua
espanhola que lhe conferem uma força crescente. As diferenças nutrem-se
mutuamente. A criação do Dicionário da Real Academia Espanhola, em cooperação
com as Academias de língua espanhola em todo o mundo, tinha como objectivo
incluir todas essas diferenças. Neste sentido, a tendência para uma celebração
das diferenças dentro da língua espanhola foram paralelas à mesma abordagem,
adoptada pelos maiores dicionários da língua inglesa.
Tanto quanto podemos ver, não há nada na iniciativa
portuguesa que faça mais do que limitar a força natural da língua, tentando
limitar a sua criatividade através de um colete-de-forças de regras
burocráticas. Por exemplo, ao propor essa estandardização como requisito para
os manuais escolares, as autoridades estarão efectivamente a limitar a
criatividade de escritores em muitas partes do mundo lusófono. Tão pouco existe
qualquer indicação de que tal estandardização conduza a um aumento no comércio
dos livros entre as várias partes do mundo lusófono.
Finalmente, deveria ser sublinhado o facto de terem sido
feitas numerosas excepções à proposta de estandardização, criando assim um
conjunto de contradições linguísticas burocráticas que interferem com a
configuração das diferenças que é real, original e criativa.
Estamos desapontados pelo facto de as autoridades que,
qualquer que seja o seu poder, não possuem real competência em relação ao modo
como as línguas vivem e crescem, tentarem limitar a força do Português ao
imporem regras artificiais destinadas a minar a força de todas as línguas – ou
seja, a sua capacidade de se reinventarem constantemente. Para isto, uma
simples aceitação de uma diversidade de abordagens, habitualmente emergindo de
diferentes regiões, é essencial. Duvidamos muitíssimo que essa proposta de
estandardização produza outros efeitos para além de burocratizar os textos
usados nas escolas, separando assim os alunos da real criatividade da língua
portuguesa, nos planos regional e internacional.