Leonardo Campos – Um de seus livros mais populares, Preconceito linguístico, está na 50ª edição. O que você atrelaria ao sucesso do livro?
Marcos Bagno – Antes de mais nada, creio que o livro faz sucesso por causa da linguagem que emprego nele. Sem papas na língua, tocando nas feridas e fazendo críticas pesadas a pessoas famosas. Além disso, como tomo partido em favor das pessoas oprimidas, coisa que fica explícita desde a capa do livro, muita gente se identifica como vítima de preconceito linguístico e por isso gosta do livro. Acho também que havia uma lacuna na literatura a respeito desse tema. Muitas pessoas que me escrevem dizem que já tinham pensado nessas coisas deste ponto de vista, mas que jamais tinham encontrado alguém que, de dentro da academia, dissesse tudo com todas as letras.
LC – O ensino de Llíngua portuguesa ainda é controverso na atualidade. Você acredita que há possibilidade de se ensinar lingua portuguesa baseando-se em manuais e regras pré-estabelecidas?
MB – Não, nenhuma controvérsia. As políticas oficiais de ensino já traçam, há mais de dez anos, programas, parâmetros e currículos antenados com os avanços da educação em língua materna e com as pesquisas da lingüística científica. O que existe é uma resistência de muita gente (resistência às vezes irracional) em abraçar os novos paradigmas. Para isso contribui o "desserviço" desses que eu chamo de "comandos paragramaticais", falsos especialistas que se apoderaram dos meios de comunicação para dar lições jurássicas sobre o certo e o errado na língua.
LC – Percebo que A lingua de Eulália e Preconceito linguistico se complementam. É coerente esta citação?
MB – Sim. Na verdade, Preconceito linguístico é fruto de A língua de Eulália. Quando publiquei "Eulália" recebi muitos convites para palestras. Dos textos dessas palestras, pronunciadas em 1998, resultou o livrinho de 1999, Preconceito linguístico.
LC – Qual a sua opinião sobre o Novo Acordo Ortográfico?
MB – Sou plenamente favorável. Com ele, Portugal vai deixar de se arvorar como "dono da língua" e a comunidade internacional vai ter que reconhecer que quem manda mesmo hoje na língua portuguesa é o Brasil, país infinitamente mais importante que Portugal, em todos os sentidos.
LC – Um dos grandes sustos que levamos ao adentrar na universidade é o fato de que nos deparamos com a gramática normativa sendo desconstruída pela gramática descritiva. Parece que estamos desconstruindo algo que iremos reconstruir depois para utilizar em sala de aula. O que acha disso?
MB – As pessoas que ainda acham que vão ter que ensinar a gramática normativa é que estão enganadas. Sei que muita gente acaba escolhendo a pedagogia tradicional do certo e do errado porque não tem formação adequada para trabalhar com os novos conceitos de educação linguística (letramento, variação, discurso, pragmática etc.). Além disso, os livros didáticos mais escolhidos pelos professores ainda são, infelizmente, os de perfil mais gramatiqueiro. No entanto, já está provado que não tem cabimento nenhum despejar em sala de aula a doutrina gramatical tradicional em vez de ocupar o precioso tempo da escola com o que realmente interessa: ler e escrever.
LC – Como o senhor lida com algumas críticas ao seu trabalho, que alegam exagero da sua parte em relação aos preconceitos linguísticos?
MB – Lido com tranquilidade, porque sei que muitas vezes por trás delas está uma ideologia francamente reacionária, às vezes até fascista. Além disso, o que eu digo está em pleno acordo com os desenvolvimentos mais recentes da linguística e da pedagogia de línguas. Grandes nomes da linguística e da educação apóiam plenamente o meu trabalho, de modo que a crítica dos não-especialistas não me incomoda em nada.
LC – E o excesso de livros publicados com regras no uso do bom português, do português ideal?
MB – Este é um fenômeno desolador, que analisei na minha tese de doutorado. Os "comandos paragramaticais" representam a reação conservadora aos novos paradigmas educacionais. Enquanto o MEC vai para um lado, esses aventureiros da mídia vão para o outro, ou melhor, para trás, tentando reverter o que já é irreversível.
Créditos: Leonardo Campos, Graduando em Letras Vernáculas com Habilitação em Língua Estrangeira Moderna - Inglês - UFBA | Membro do grupo de pesquisas “Da invenção à reivenção do Nordeste” – Letras – UFBA | Pesquisador na área de cinema, literatura e cultura
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